Agora sim, rumo a outros ares não brasileiros. Depois do trecho Brasília-São Paulo, começa a segunda parte do trajeto (são três), que vai nos levar até Cusco, no Peru. Agora vou de classe executiva (por uma questão de milhagens, apenas...rrrss) e descobrir por que se paga tão caro para viajar mais perto do piloto.
Comecei a medir as diferenças... As cadeiras são mais largas, há apenas doze lugares e já encontrei um edredon na poltrona esperando por mim. E nem bem se passaram os primeiros minutos, a aeromoça logo surgiu com sofisticadinhos copos vermelhos de design arredondado, oferecendo água e suco de laranja.
Enquanto isso eu ainda tentava descobrir o que fazer com aquele edredon (enorme). Olhei para os vizinhos tentando copiar alguma ideia confortável e prática, já que eu não estava com frio suficiente para desempacotá-lo e me cobrir...
Nem bem havia passado a água, mais uma aeromoça sorridente chegou com balinhas e uma outra se apresentou com um kit plastificado cheio de apetrechos. E Paulinho lá atrás? Talvez ele fosse curtir mais do que eu – não sei – mas foi gentil e preferiu me colocar aqui, até porque não havia mais vagas na categoria econômica...
Tudo bem... Continuemos.
Ainda nem saímos o chão e vêm mais coisas. Agora são revistas e jornais. Ah! Ia me esquecendo. O cardápio de comida mediterrânea! rrrsss
Eita! Agora vem a pulverização da cabine, "como recomendam as autoridades sanitárias internacionais", disse o comissário. Coisas da globalização para evitar o transporte de vírus, bactérias, sei lá...
Bem, voltando ao cardápio concebido pelos premiados chefs Sérgio e Javier Torres (até bonitinhos na foto)
Será que tem carne? Tem os tais embutidos, mas também tem frutas, pães quentes, wraps de queijo emmenthal, tomate, omeleta recheada com presunto cru (xiiiiiii), queijo de Minas e tomate, concassé, Chivas e licor Barley’s. Será que é tudo isso ou tenho que escolher?
Detalhe: os responsáveis pelo cardápio são também os responsáveis pelos restaurantes Dos Cielos (Espanha) e Eñe (Brasil), e trabalharam em outros que, somados, reúnem 24 estrelas Michelin (??) – provavelmente algum tipo de classificação especial que garante requinte e qualidade.
E eu que trouxe uma palavra cruzada amassada que achei lá em casa, pensando que não ia ter o que fazer nas próximas cinco horas... Tem leitura à bessa e ainda dá para dormir quentinho...de barriga cheia, claro!
E Paulinho lá atrás??? Neste momento, sou uma peregrina de Santiago de Compostela, doida para chegar à trilha de Salkantay, atolada em conforto (rrrssss)...
Paulinho acaba de passar por aqui para uma espiada.
Ah! Lembrei! Na bolsinha que foi distribuída para os abastados tem até um par de meias (ou coisa parecida), além de pasta e escovinha de dentes. Legal! Vai ser útil depois da viagem...
Esta é a primeira vez que estou levando um caderninho... No Caminho de Santiago, ano passado, pensei em relatar tudo e inventei um blog (aliás, este blog aqui)... Que besteira. Está abandonado. É bem verdade que postei algumas coisas, fui extremamente sincera, mas fazer o que pretendia, que era dizer todos os dias o que estava acontecendo, falar sobre minhas percepções e experiências espirituais no Caminho, nada disso rolou. Até porque o Caminho não merece ser congelado em palavras. Ele é um start, uma construção diária que acontece a partir daqueles momentos reais, se prolonga pelo resto da vida, transforma.
E mais: eu nem saberia como descrever tudo. Decidi que o melhor era me abstrair dos compromissos e o blog seria um compromisso – o de me disciplinar a ponto de ter que escrever todos os dias.
Cada peregrino é um peregrino, cada um tem uma história, uma razão muito particular para estar ali. O Caminho chama e nos conduz, nos empurra, nos leva suavemente para uma direção que transcende qualquer tentativa de definição. Por isso, minha opção inconsciente foi guardar, então, as experiências para mim... O Caminho não é um roteiro de viagem, uma aventura, uma diversão – apesar de, é claro, ter seus momentos turísticos, curiosos, descontraídos.
Mas, desta vez, até pelo caráter da viagem, me deu vontade de escrever e pode ser que aconteça alguma coisa, como publicar tudo isso em algum lugar. Mesmo o destino sendo um lugar muito especial também, como Machu Pichu e toda a sua aura de mistério e magia, esta pode ser uma oportunidade interessante para compartilhar as experiências...
Tudo isso, no entanto, tem que ser na hora, no momento em que estiver sentindo, vendo, não dá para deixar para depois. Como agora mesmo estava lendo um artigo da diretora de Redação da Revista TAM nas Nuvens, Cindy Wilk, sobre como ela se sentiu “nua” quando resolveu viajar e deixar o laptop em casa. Ela comenta inclusive sobre o autor Paul Teroux, que considera o ato de viajar um ato de “desaparecimento” que resulta no entendimento da experiência. Segundo ele, só leva um celular “mequetrefe” e um radinho de ondas curtas...
Acho que concordo com ele – só dispensaria o radinho e o celular, que, no meu caso, raras vezes funciona...
Bem, mas voltando ao cardápio da primeira classe, depois descobri (ou pelo menos desconfiei) que se tratava do café da manhã e não do almoço. Os sabores mediterrâneos eram destinados à primeira refeição do dia! Aliás, acho que ainda devia ser de manhã (perdi a noção de tempo, porque acordei às três da manhã e já estava no segundo vôo do dia). Cafezinhos já havia tomado pelo menos dois – um em cada aeroporto.
Só que havia um detalhe: como o avião estava indo no sentido contrário da rotação da Terra, ou seja, as horas estavam voltando, fazia mais sentido que fosse mesmo o café da manhã e não o almoço, apesar da sofisticação e do exotismo das opções.
Minha escolha, então, foi pelo wrap de tomate, que na verdade era uma panqueca parecida com a que minha mãe faz (ou estava mais para um crepe?) Tinha também frutas, entre elas um morango tão grande, lustroso e perfeito que não tive coragem de comer. Seria transgênico, peruano ou o quê? O abacaxi, os pedacinhos de mamão e o kiwi estavam ótimos e com aparência mais normal...
Além disso, tinha uma travessinha com dois pedaços de queijo: um branco e outro muçarela, mas só comi o branco. Do wrap também só comi a metade da porção.
Tinha manteiga, pãezinhos, croissants e geléia (o que confirmou a minha teoria do café da manhã), mas por outro lado tinha vinho!
A delicadeza da bandejinha também foi à parte. Toalha florida, guardanapo de pano – nada descartável. Antes, a aeromoça trouxe paninhos umedecidos e quentes para higiene das mãos...
Paulinho e eu já estamos nos articulando para trocar de lugar um pouquinho, na próxima refeição (rrss).
Dei uma passada pelo lado de lá da cortina que divide os supostos chiques dos outros e realmente há mais diferenças. Do lado de cá é mais tranquilo, sem o vai-vem de gente a caminho do banheiro, de pé ou sentada nos braços das poltronas, na tentativa de aliviar o incômodo de longas horas sem se movimentar. O espaço onde lá existem três poltronas, aqui na primeirona são acomodadas apenas duas, bem largas, de assento mais confortável – alguma coisa do tipo “cadeira do papai”.
Agora as aeromoças estão passando, com ofertas de produtos duty free. E, claro, sempre há quem não resista aos impulsos que criam necessidades sem qualquer pudor no que diz respeito à real utilidade do que vai ser comprado.
....
Ai, Jesus!
Até chegar em Lima, foram três insistentes avisos de atar cintos de segurança. Era a tal zona de turbulência... Aquela dita cuja que tem o poder de deflagrar nas nossas mentes os filmes das nossas vidas, lembrar de todos os parentes e acionar todos os santos protetores . Isso durante longos minutos – aliás, muito longos, que só foram esquecidos depois de uma providencial dose de espumante rapidamente servida aos passageiros (da primeira classe, claro!) Paulinho, por exemplo, teve que recuperar a cor e se livrar do amarelão e do risinho visivelmente nervoso, sem a ajuda de nada para relaxar... Depois fiquei sabendo que na regiáo dos Andes essas turbulências são muito comuns por causa da altitude e dos fortes ventos.
Finalmente, depois de pouco mais de cinco horas de voo, o comandante avisa que vamos pousar. Temperatura 18 graus (até que não está tão frio. Ufa!) Daqui até Cusco, nosso destino, temos mais quase duas horas. Mas, tudo é festa! Como diria no popular, tô nem aí! Afinal, tínhamos escapado da turbulência (e bota turbulência!). Verdade! E olha que eu praticamente nasci dentro de um avião, adoro voar, mas desta vez a coisa ficou meio feia... Que venha a próxima etapa! Salve, São Jorge, São Francisco, Nossa Senhora e Santiago que nos salvaram dessa.
Hora local: meio dia e alguma coisa – duas a menos que em Brasília.